Osvaldo Jefferson da Silva – Professor, Turismólogo e Colunista
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Cora Coralina. Divina Paiva. Agosto. Qual seria a relação entre essas autoras e o oitavo mês do ano? Semelhanças? Há muitas. “Poetas”, leoninas, mulheres apaixonadas por Vila Boa que trazem em suas veias e artérias as águas históricas e literárias do Rio Vermelho. Duas vidas, muitos sonhos e realizações inesperadas – Cora, nascida no dia vinte de agosto de 1889, traduz em seus manuscritos os raios caustificantes dos dias quentes nos becos de Goiás. No ano de 1953, sessenta e quatro anos depois, aos cinco dias do mesmo mês, veio ao mundo - Divina Paiva. A partir daí, começa as ligações entre as autoras, além das particularidades de suas produções literárias que abordam temas como mulher, memória, elementos e manifestações da natureza como água, flores, temporais, vida e, em especial, a atenção as figuras geralmente excluídas e/ou marginalizadas pela sociedade vilbaoense como as lavadeiras do Rio Vermelho. Para muitos teóricos Coralina e Paiva não se filiaram a nenhuma corrente literária por apresentarem uma literatura genuinamente peculiar, traduzindo em versificações suas impressões sobre Vila Boa. Essas são capazes de trazer de volta o passado recente de Goiás e, em muitos casos, um futuro presente tendo sempre como espaço físico – a cidade, descrita por suas ruas estreitas e becos misteriosos. A poesia derramada por elas cria imagens esboçadas nos ritmos das serenatas e cantigas como Cora faz, por exemplo, em “Becos de Goiás” e “O Mandrião”, nesses a poeta revela o puro sentimentalismo realista de suas vivências pessoais na Casa Velha da Ponte e em Goiás. Diante disso, evidencio e integro mais uma vez o terceiro elemento norteador desses “rabiscos” de crítica literária - o mês de Agosto, citado logo no início do texto. Mês que se comemora o Dia dos Pais. Esse traz consigo lembranças sobre o relacionamento familiar, em especial, o paterno. Assim, ironicamente, há uma particularidade em duas obras: “Meu livro de cordel” – Cora e “A metáfora das águas” – Divina Paiva, ambos pertencentes à literatura goiana e, ainda, revelando mais uma semelhança e/ou coincidência entre essas “artesãs das palavras”. Coralina e Paiva apresentam em meio as suas produções poéticas dois textos (um de cada uma delas) com o mesmo título “Meu Pai”. Nesses a entidade paterna é homenageada com veneração e sutileza, sendo respectivamente, Francisco de Paula Lins dos Guimarães Peixoto, desembargador nomeado por D. Pedro II e Alaor Pinto da Silva – homens, pais e referências do saber viver na vida das autoras. Cora descreve “Meu pai se foi.../Eu era tão pequena, mal nascida.", observamos nessas palavras a assumência da triste partida do pai quando ainda era criança e reforçada na segunda estrofe do poema com a repetição da mesma frase “Eu era tão pequena!...”. Divina, que pôde usufruir da presença paterna em sua vida, expõe “... meu pai continua a inventar a vida.../e a elaborar poesias”,mas também notamos pelo início do poema “Meu pai” em que mostra o pai e sua longa jornada desde quando era envolvido com a vida na roça, trecho que será apresentado logo à frente, além disso, nota-se também neste fragmento que o Senhor Alaor contribuiu significativamente na formação humana e literária de Paiva como amante da poesia. Cora na primeira estrofe do poema “Meu pai”, escrito in memoriam, apresenta seu pai como fora enterrado “Meu pai se foi com sua toga de juiz”, imagem essa que pode ser vista até os dias de hoje no Museu Casa de Cora Coralina, na Cidade de Goiás, pois na época do falecimento do Senhor Francisco tinha-se o hábito de fotografar os entes queridos em seu estado “pré-sepultado”. Além disso, a “Poeta” fornece pistas do seu sofrimento por não ter despedido de seu pai “Nada lhe dei nas mãos/Nem um beijo,/uma oração/um triste ai”. No entanto, este fato ocorreu, talvez, em virtude de sua pequenez e inocência quando seu pai se foi por ser ainda “mal-nascida”. Mesmo tendo estudado até a quarta série do Ensino Fundamental, Cora surpreende com suas construções enunciativas por meio do uso adequado (de acordo com a Gramática Normativa) da colocação pronominal antes dos verbos, em diversos casos de aplicabilidade da próclise, vejamos: pronomes indefinidos – “Nada lhe dei”, “Ninguém me predizia” e pronome relativo “na grande/falta que me fez meu pai”, o que demonstra que apesar de ter textos com palavras ou expressões tipicamente goianas, suas produções podem apresentar estruturas gramaticalmente corretas, mesmo se tratando de poemas e a famosa licença poética. Já no poema da Doutora Divina Paiva, também nomeado “Meu pai”, observamos que esse não foi arquitetado com divisão de estrofes, apesar de ser também um poema, optou-se a princípio pela enumeração de elementos da realidade da figura paterna pertencentes ao mesmo campo semântico “Largou as botinas/a foice/o machado/o martelo/ o arame/ e a cerca caiu...” isso ocorreu para descrever o afastamento de seu pai da prática rural que se efetivou no fragmento citado. Em seguida, Paiva trata de marca de passagem temporal para expor uma vertente mais íntima da sua relação com o pai “... meu pai, continua a inventar/A vida/assoviando pintassilgo/...feliz/entoando canções e criativas artes”, além disso, notamos nessas palavras sua admiração pelo pai e as elegantes construções poéticas usadas para descrevê-lo. Com efeito, observamos por meio das poetisas a grande proximidade e “revelação” dos seus possíveis segredos e vivências no ambiente familiar, pois não somente estes poemas, mas diversos outros destas e de outras obras ainda não citadas trazem à tona a sensibilidade e percepção coralineana e paivaniana intrínsecas a suas memórias. Demonstram ainda a inventividade emocionalizada das “damas vilaboenses” da criação poética que estão inseridas no panorama histórico-literário da Literatura Goiana.